Pesquisa indica que 80% dos casos levados à PF não são esclarecidos
Projeção foi divulgada pelo delegado Gustavo Shneider, que defende filtragem dos casos e maior autonomia
Cerca de 80% dos crimes comunicados à Polícia Federal não são esclarecidos, revela pesquisa realizada pelo delegado Gustavo Schneider, do Rio Grande do Sul. Para a ele, a melhor maneira de reverter esse quadro desalentador seria a adoção de "critérios científicos de seletividade e absolutamente objetivos". Além dos casos sem fundamento, há problemas na própria investigação e na demora da Justiça - o que aumenta no País a sensação da impunidade.
Responsável pelo inquérito sobre suposto esquema de corrupção no Detran gaúcho, escândalo que abalou o governo Yeda Crusius (PSDB), Schneider defende a priorização nas investigações e cobra mais autonomia. "As autoridades policiais devem ter maior independência para atuar com isenção em relação a processos políticos, às injunções governamentais de ocasião", diz. "Nossas polícias judiciárias, tal como o Ministério Público e o Poder Judiciário, têm de ser instituições de Estado, não de governo."
De acordo com dados do Tribunal de Contas da União (TCU), analisados na pesquisa, nos últimos 20 anos o número de inquéritos abertos pela PF cresceu 2.000%. É um aumento de 145% por delegado. Em 2003, a PF abriu 50.220 inquéritos; em 2005 foram 66. 492.
Com base nessas informações e em dados coletados na própria PF, o delegado traçou as projeções sobre a deficiência em concluir as investigações.
"O Brasil precisa criar conselhos comunitários, integrados por membros do Ministério Público, da Justiça e da polícia para decidir quais casos devem ser priorizados", observa. "O interesse da comunidade é que tenhamos uma seletividade baseada em critérios científicos."
Ainda de acordo com a pesquisa, no Rio Grande do Sul, em 2004, foram abertos 217 inquéritos sobre infrações previdenciárias. Até agosto de 2007 apenas 77 haviam recebido sentença judicial. Desse total que a Justiça julgou, 61 foram arquivados, 14 resultaram em absolvição.
"Pasmem, apenas dois inquéritos tiveram condenação", declara o delegado, que apresentou parte dos resultados no 4º Congresso Nacional de Delegados da PF, na quinta-feira, em Fortaleza. "Esses números são de chorar. Revelam que nossa atividade de polícia judiciária não está atingindo o princípio constitucional da eficiência."
JUSTIFICATIVA
Os motivos do fracasso? "Grande parte dos casos terminou assim por ausência de justa causa, ou seja, atipicidade do fato", conta Schneider. "Houve extinção da punibilidade por causas diversas, prescrições e pagamento de tributos."
A essa situação, o delegado chama de "taxa de atrito" - a diferença entre o número de situações criminais notificadas à polícia e o número de casos efetivamente esclarecidos e, sucessivamente, o número de inquéritos relatados e remetidos à Justiça, o número de denúncias oferecidas pela procuradoria e as condenações. "A taxa de atrito no Brasil é altíssima, seguramente maior que 80%."
Essa taxa é alta em quase todo o mundo, mas no Brasil é especialmente alta, segundo Schneider. "Isso ocorre em razão da observância quase religiosa do princípio da obrigatoriedade da abertura de inquérito. Isso tem natureza ideológica. Sempre desinteressou que a polícia priorizasse casos de relevante valor social, como os crimes do colarinho branco, contra o meio ambiente, contra a ordem econômica, contra a ordem tributária. Crimes que lesam de maneira impactante a comunidade", analisa.
Para o delegado, esse quadro deve se agravar. Ele afirma que não defende a ideia de que a autoridade policial decida o que investigar. "Seria antidemocrático e uma fonte potencial de corrupção. Não é isso que se quer. Queremos um processo democrático de escolha." Ele destaca que "a maior parte dos crimes são patrimoniais, cometidos por determinada camada populacional".
Schneider vê no Projeto Tentáculos uma saída para a eficiência. O projeto, criação do delegado Carlos Eduardo Sobral, de Brasília, propõe concentrar em um inquérito todos os delitos cometidos por uma mesma organização. "Não se pulveriza os esforços em inquéritos inúteis que não vão dar em nada."
Matéria do Jornal "O Estado de S.Paulo" de 09/11/2009
Comentário do Dr. Calandra
O projeto de reunião de todos os delitos num só inquérito tem como lado positivo focar a investigação em torno de uma organização criminosa e de seus membros, mas pode produzir impunidade. Os processos muito volumosos acabam contendo peças inúteis com manuseio complicado. O ideal seria agrupar os inquéritos por tipos criminais, especializar os investigadores, que devem ter a exata noção da prova útil.Também deve ser evitado a instauração de inquéritos policiais por questões banais, cujo resultado será o arquivamento.
A polícia não é agência de cobrança. O Estado deve aprimorar seus instrumentos de tributos evitando instauração de ação penal quando houver possibilidade de cobrança eficaz no plano administrativo.
A instauração de milhares de inquéritos e de denúncias sem resultado positivo acaba implicando em descrédito da polícia, do Ministério Público e do Poder Judiciário.
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